quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Facada

               Enquanto tirava as roupas, que iam usar na noite do crime, da caixa que acabara de chegar, Joel viu um pacote extra.
– Ué, mas o que é isso? – ele disse.
– Isso foi eu que pedi. – esclareceu Luiz.
– O que é? – quis saber Joel.
– Um conjunto de facas de arremesso. – ele se aproximou e abriu o pacote para todos verem. – Você sabe que eu não sou bom com armas de fogo. – ele disse mais baixo para o amigo.
– É, eu sei. – disse Joel se lembrando de quando o conheceu.
Era noite e Joel tinha ficado de fechar a mecânica, mas quando foi fazer, um rapaz o surpreendeu.
– Passa a grana aí, tio. – disse o rapaz encostando uma faca nas costas do mecânico.
Joel ficou parado, pensando no que fazer. Olhou para trás, discretamente para ver a posição do atacante. Concluiu se tratar de um amador na arte de roubar e, rapidamente, se virou de frente para ele que o atacou com a faca, mas antes que esta lhe atingisse no estômago, o mecânico segurou o punho do rapaz e lhe deu uma cabeçada no nariz. O jovem ladrão soltou a faca, cambaleou para trás e, antes que pudesse se equilibrar, levou uma rasteira de sua vítima.  
– Quer um conselho? Quando for ameaçar alguém com uma faca, não deixe espaço entre ela e seu alvo. – disse Joel pisando no peitoral do rapaz.
Após ter finalizado seu atacante na frente da mecânica, Joel o ajudou e o convidou a entrar no estabelecimento. Eles então começaram a conversar.
– Qual o seu nome? – perguntou o mecânico.
– Luiz.
– É muito feio roubar, Luiz. – explicou Joel.
– É como eu aprendi a sobreviver na Vila Zumbi, tio. – devolveu o rapaz.
– Vila Zumbi? – surpreendeu-se Joel. – Muito bem, Luiz, conte-me sua história. – pediu o mecânico.


Desde que seu pai morreu, Luiz se sentiu o homem da casa, mas ainda não tinha idade para trabalhar. Seguindo os conselhos de sua mãe, focou nos estudos e foi bom aluno por um tempo. Aos 15 se envolveu com a gangue de traficantes da região, comandada pelo Crioulo Doido. No começo ele foi muito zoado por ter uma péssima mira com o revólver, mas quando matou um garoto da gangue rival com uma facada na coluna, ele ganhou o respeito dos outros e o apelido Facada.
Com o tempo, Luiz foi se afastando cada vez mais do colégio e faltando às aulas. Logo, já não estudava mais. Ele havia se tornado o homem da casa, com o dinheiro do tráfico nunca faltava comida ou qualquer coisa que ele ou sua mãe quisessem, mas a que preço?
Aos 18 se tornou o braço direito de Crioulo e quanto mais se envolvia, mais rabo preso ele tinha. Ganhou um par de facas de aniversário e se tornou ainda mais temido na favela. Mas como tudo acaba, o dia que ele não concordou com uma decisão de Crioulo, se viu obrigado a fugir. O chefe do tráfico queria invadir o território da gangue de Polaco Azedo, o que iniciaria uma guerra com muitas mortes na Vila.
Luiz não viu necessidade disso, pois os dois grupos tinham bons locais de negociação. Ele discutiu com Crioulo e saiu. Foi em casa, avisou sua mãe para ir para casa de alguma amiga longe dali e ele ia fazer o mesmo. Pegou algumas roupas e foi na direção da gangue rival. Na entrada do barraco de Polaco, foi obrigado a deixar suas malas e facas.
– Você é muito corajoso ou muito burro de vir até aqui sozinho. – disse o chefe rival. – O que você quer?
– Vim te avisar que o Crioulo ta planejando uma emboscada.
– E por que eu deveria acreditar em você? E se for tudo parte de um plano? – desconfiou Polaco.
– Porque isso ia romper o equilíbrio da vila. Eu não quero isso. O Crioulo ta realmente doido. Saí da gangue e to saindo da vila. Pode revistar minhas malas se quiser. – ofereceu o rapaz.
– Vou te dar um voto de confiança, garoto, mas se você estiver me enganando eu mesmo vou te matar com suas próprias facas. – ameaçou Polaco.
Luiz agradeceu e saiu. Foi vigiado até estar bem distante da Vila. Cansou de procurar emprego e ser rejeitado pela falta de escolaridade e por seus trajes e vocabulário. Decidiu se virar sozinho e passou a roubar.
– Eu vou te ajudar a conseguir um emprego. – disse Joel.
– Por quê? – se espantou Luiz.
– Você não é mal, só trilhou o caminho errado. – Joel explicou e Luiz sorriu.

3 comentários :

  1. Facas, nossa, morro de medo de facas. Ah, Joel me deu uma boa dica de auto-defesa, hein?
    É, realmente, nem todos os criminosos se tornam assim por pura maldade. A vida às vezes leva as pessoas por caminhos trágicos, como aconteceu com Luiz. Óbvio que todas as dificuldades que Luis sofreu não justificam o fato dele ter se tornado um criminoso, mas ao menos explica o porquê.

    beijos.

    ResponderExcluir
  2. É tão triste que essa seja a realidade de muitos jovens perdidos por aí...
    Como sempre, excelente texto!
    Tô acompanhando!
    Beijos
    Gisele Carmona
    http://giselecarmona.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  3. Infelizmente, são tantos os jovens que trilham pelo caminho errado porque parece mais fácil, mais lucrativo, e olhando suas necessidades...

    Enfim, facas são legais... longe de mim!

    Bjs

    ResponderExcluir