segunda-feira, 30 de abril de 2012

Virada de jogo


“O plano de Júlia era simples: ela iria dizer ao capanga que estava de guarda que eu fugi para o lado em que o marido dela fazia as cobranças do povo, enquanto eu estaria indo para outro lado. Eu, literalmente, saí correndo da casa, pelo menos por umas duas quadras. Entrei num beco e, ali, recuperei o fôlego.
“Andei mais sossegado depois desse trecho, mas ainda assim de olho em tudo. Ninguém reparava em mim, o que era ótimo. O problema é que eu não sabia como sair dali e não podia perguntar para não levantar suspeita. E a cada minuto que passava, eu ficava mais perto de ser encontrado. Se eu tivesse um veículo seria bem fácil achar a saída.
“Foi quando eu vi um morador estacionar uma moto, desmontar, levar o capacete e deixar a chave na ignição. Ou ele era um dos bandidos e pensava que por isso ninguém ia ter coragem de roubá-lo, ou ele achava que por ser conhecido no bairro não seria roubado. Ledo engano, no Brasil sempre há alguém disposto a roubar. Triste realidade. No meu caso foi a mais justificável necessidade.
“Caros leitores, não me orgulho do que fiz em seguida, por dois motivos. Primeiro: eu roubei um veículo e, isso por si só, já é bastante grave. Segundo: eu saí dirigindo uma moto por um bairro que eu não conhecia, com possíveis pessoas armadas querendo me matar, SEM CAPACETE!”
– ISSO TUDO É CULPA SUA! – Cleverson gritou, empurrando a mulher contra a parede com tinta fresca.
Júlia chorava, temendo a violência do marido.
– O que aconteceu? – ele perguntou mais calmo, mas ainda segurando-a contra a parede.
– Eu voltei do mercado e... o procurei aqui, mas não o encontrei... nem em nenhum lugar da casa... então eu o vi pulando o muro na direção em que você estava. – ela explicou em meio a soluços.
– Droga! – ele praguejou, soltando-a. – Muito bem! Ele está desarmado e a pé. Quero todos os homens atrás dele. O deputado não pode saber disso. – ele disse e seus capangas saíram. – E, você, trate de pintar essa sala. – disse a sua mulher e saiu.



“Finalmente encontrei a rodovia e me senti como um personagem do jogo GTA, passando a toda velocidade com a moto, sem capacete, por entre os carros. Ficou ainda mais parecido quando algumas viaturas começaram a me perseguir. Chegando ao limite do plano piloto, senti-me em casa. Conhecia melhor ali do que Planaltina. Não demorou muito para que eu chegasse à avenida dos ministérios e em seguida ao Congresso.
“Ainda acelerado, para não ser preso antes de meu destino, entrei com moto e tudo no prédio principal de Brasília. É claro que uma porção de seguranças me cercou assim que parei. Os policiais chegaram em seguida. Eu era conhecido ali, por isso não houve problemas maiores quando quis pegar meu gravador e mostrar-lhes que eu havia sido sequestrado pelo “ilustríssimo” senhor deputado.
“Acompanhado por dois seguranças e dois policiais, invadi a sessão do plenário, na qual mais uma vez, o deputado Capelário palestrava. A surpresa em seu olhar ao me ver vivo foi impagável.”
– Senhoras e senhores, meu nome é Rubens Fonseca, sou repórter do jornal Terra da Garoa e há algumas horas fui sequestrado por um parlamentar que se encontra presente nesse recinto. Aliás, ele é o palestrante do momento. – ele disse e uma série de murmúrios tomou conta da câmara.
– Você pode provar o que disse, rapaz? – um parlamentar quis saber.
– Achei que não ia perguntar. – ele disse, sorrindo e acenou para a cabine de som.
Em seguida, o conteúdo do seu gravador tomou conta do local. Desde o momento em que ele foi abordado pela limusine do deputado até o seu quase esquartejamento. Sem perder tempo, Rubens citou as milícias e, com o vídeo e a foto, provou o envolvimento do deputado.
– Agora, senhores, se me dão licença, eu preciso ir. Tenho certeza de que os nobres deputados encontrarão o jeito ideal de punir o Sr. Capelário. – ele disse e ia se virando, mas desistiu e continuou. – Ah, deputado! Eu agradeceria muito se o senhor devolvesse minha mochila com meu equipamento.
“Depois de ouvir detalhadamente minha história, os policiais me liberaram e se prontificaram para devolver a moto ao dono. Parece que o governo vai liberar uma força policial para acabar com as milícias, após investigação confirmando a existência de fato, é claro.
“Não sei o que aconteceu com Júlia, mas eu sinto que ela está bem. Ela é uma mulher muito esperta. O deputado teve seu mandato cassado e muitos processos foram abertos contra ele. Apesar disso, nada, porém, me convence de que essa foi a última vez que me encontrei com Raul Capelário.”

                                                            Rubens Fonseca.

Um comentário :

  1. "Finalmente encontrei a rodovia e me senti como um personagem do jogo GTA". kkkkkkkkkkkkkkk Sempre caio daquela merda de moto.

    Ai, uma pena que se fosse realidade, os próprios PMs dariam um jeito de se livrar de Rubens pra que ele não incriminasse o deputado. Mas que bom que tudo correu bem. :D

    Beijos.

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